Por Lucas Bueno
Todo começo de semana, exceto para os jornalistas é claro, volta-se ao trabalho com um passo relativamente mais lento devido a tranquilidade natural do descanso pós fim de semana. Mas aquela segunda-feira foi única. Ronaldo, o Fenomêno, iria se aposentar. A redação com seus mais de vinte televisores, sintonizados no mesmo canal, se dividiu em nichos, os corinthianos fanáticos, os torcedores do Ronaldo, os curiosos, os de passagem, os chorões. Foi duro ver o craque surgir no monitor e dizer que estava encerrando sua carreira porque seu corpo não aguentava mais.
No decorrer do adeus, se ouvia apenas os batimentos cardíacos acelerados dos aficionados, tum-tum, tum-tum, tum-tum, seguidos sucessivamente por profundo suspiros de agonia.
Ao final do discurso, todo aquele silêncio e emoção foram esquecidos, a racionalidade e objetividade às vezes chata do jornalismo voltaram com toda força. Gritos soavam: liguem para o pai de Ronaldo, vamos tentar falar com o Fenômeno, cadê o primeiro técnico dele em Bento Ribeiro? Como ainda não participo frequentemente dessa correria do jornal diário, pude sentar no meu canto, em frente ao computador e pensar sobre uma frase dita por Falcão, ex-volante da seleção brasileira, e repetida por R9 em seu discurso de despedida.
“O jogador de futebol morre duas vezes, uma quando encerra sua carreira e a outra pela lei natural da vida.”.
Não que eu seja negativista ou que viva em uma crise existencial, mas a palavra morte ficou batucando em minha cabeça. Não conseguia, era inviável associar Ronaldo com o apagar das luzes. O maior artilheiro já existente em Copas do Mundo, capaz de proporcionar aos brasileiros uma alegria ingênua e confortante não podia parar. Os meros mortais morrem, as lendas se eternizam.
O povo se identifica com Ronaldo, uma vida dos sonhos. Não. Acredito que seja mesmo de um belo enredo dos tempos áureos dos folhetins das oito. Sucesso, fama, dinheiro, drama, mulheres, reviravoltas, vícios, filhos extraconjugais, escapadas noturnas, todos em uma trama só. Isso sim é sucesso!
Já nos seus últimos esforços como profissional, o agora “Gorducho” voltou a atuar nos certames brasileiros. Bastou apenas seis meses para Ele nos mostrar a essência mais pura do futebol tupiniquim. Diferentemente, é claro, daquele futebol característico apresentado na Espanha e que lhe rendeu o apelido de El Fenómeno, aliando velocidade, habilidade e explosão. Aqui a surpresa era diferenciada e exclusiva.
E foi ali, logo na estreia de Ronaldo pelo Corinthians, em um jogo contra o rival histórico que a Fênix ressurgia mais forte. Instantes finais de clássico, bola cruzada na área e a redonda encontra o redondo para empurrá-la carinhosamente para o fundo do barbante, como sempre fez. Explosão no estádio. Só de pensar arrepia, e olha que não sou nenhum corinthiano. Esqueça o gol, isso é questão de vaidade como diria um amigo meu. O que se eternizou foi a comemoração do jogador, creio a mais espontânea já feita em toda sua carreira. Sem saber o que fazer, Ele correu pulou na grade do estádio e ficaram ali, ídolo e torcedor no mesmo patamar de importância, trocando sorrisos e olhares empolgados na mesma sintonia.
Com a empolgação e o excesso de pessoas o alambrado cedeu. Quem se importa. O cara voltou. Era o Messias voltando à terra prometida para nos salvar da mesmice que esse futebol tão rico se transformou. Ele fez todos os brasileiros voltarem a serem crianças, sem perder a esperança.
Voltando do insight momentâneo e do patriotismo um pouco fora de controle, ouço da televisão que o adeus era um até breve. Haverá dois jogos de despedida para o R9, um pela seleção canarinho e outro pelo bando de loucos. No fundo sabia que Ronaldo não abandonaria o povo com um gostinho de quero mais. Ainda existirão mais espetáculos. A alegria retornará. Volto para o trabalho e me deparo cantarolando uma música, e como escreveu o compositor, “Não me intimido parto pra cima e só me contento quando ouvir a galera entoando esse canto, Goool! Sou Ronaldo!”.